Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 21 Julho 2018
Os fortes conflitos perduram há mais de três meses na Nicarágua. Os protestos que se iniciaram pela Reforma da Previdência apresentada por Daniel Ortega em acordo com o FMI logo foram reprimidos, causando mortes e perseguição de estudantes. A revogação da proposta já não era mais suficiente para manter estável um presidente que completa doze anos no poder e aparelha o Estado de maneira dinástica. A oposição é composta por diversos segmentos, à esquerda e à direita, mas suprapartidária. Enquanto não há partidos com força envolvidos, organizações como a Igreja e a OEA se sobressaem na discussão.
Daniel Ortega foi uma das lideranças da Revolução Sandinista em 1979. Assumiu o governo em 1980 dentro de uma junta sandinista, e com eleições convocadas em 1985, foi eleito pelo período de cinco anos. Do período da sua formação até a crise de hoje, a Frente Sandinista de Libertação Nacional FSLN - se dividiu. Logo, em 1990 a União Nacional Opositora, uma coalizão de partidos antissandinistas, assume o poder com Violeta Chamorro (1990-97). Nas duas eleições seguintes, a coalizão se divide, e o Partido Liberal Constitucionalista elege Arnoldo Alemán (1997-2002) e Enrique Bolaños (2003-2007). Os três mandatos seguiram a toada do Consenso de Washington no continente latino-americano, isso é, reforço da política neoliberal ditada pelos Estados Unidos.
A FSLN seguiu novos rumos sendo oposição no período democrático. Com Arnoldo Alemán na presidência, o sandinismo cativou cadeiras na Assembleia, formando uma coalizão legislativa com o PLC – bem como o próprio Ortega adquiriu imunidade judicial. A arcebispo Miguel Obando y Bravo, destacado pelas fortes posições contrárias tanto ao somozismo quanto ao sandinismo, foi proclamado herói nacional no primeiro mandato de Daniel após a vitória nas eleições de 2006.
Para além das conciliações com antigos inimigos, Ortega travou o crescimento de novas tendências políticas à esquerda. A Frente Sandinista não sustentou unidade e criou novos opositores para além dos tradicionais PLC, Partido Liberal Independente — PLI e Partido Conservador. Em 1995, houve um rompimento interno no agrupamento revolucionário devido o apoio da FSLN às reformas constitucionais conduzidas pelo governo de Violeta Chamorro, com ênfase à proposta de reeleição e agregando a insistência de Ortega para ser novamente o candidato do partido à presidência nas eleições de 1996. Assim, membros-fundadores da FSLN como Sergio Ramírez, que foi vice-presidente no período de 1986-1990, e Henry Ruiz Hernández, guerrilheiro e dirigente da Junta Sandinista que assumiu o poder após a Revolução, instigaram a criação de um novo partido. O Movimento Renovador Sandinista — MRS, se separou em 1995 encabeçado por sandinistas agora dissidentes, formando uma oposição à esquerda.
A eleição de Daniel Ortega em 2006 não significou que seu poder político estava consolidado. O número de eleitores reduziu em 15%, e os seus votos caíram mais de 7%. O cenário político na América Latina era favorável a um dos mais tradicionais partidos e lideranças da esquerda latino-americana. A partir dessa eleição, os desmandos de Ortega se inflaram. Reformas constitucionais possibilitaram que completasse em 2018, o 22º ano como presidente nicaraguense, com ainda mais três por virem, e possibilidades infinitas de reeleição. Ortega construiu um aparelhamento da Suprema Corte, e uma maioria esmagadora no legislativo, com 77% do Congresso.
Ortega causou o esvaziamento das tendências no seu partido, assim como deixou os partidos opositores a mando dos seus juízes. Na última eleição o judiciário anulou a candidatura do principal líder da oposição, Luis Callejas, do PLI, e Ortega impediu a participação de observadores internacionais. Compôs a chapa presidencial com a sua esposa Rosario Murillo, e seus filhos assumiram cargos nas mídias estatais. Não à toa, Dora Maria Tellez, comandante do grupo de mulheres guerrilheiras sandinistas na Revolução e atual presidenta do MRS, afirmou ainda em 2011, que “o sandinismo transformara-se em orteguismo”.
Os protestos de 2018 começaram com a Reforma da Previdência acordada com o FMI. Embora os protestos tenham conseguido levar o projeto à revogação, a insatisfação com os desmandos de Ortega eram de outrora. Estudantes universitários protagonizaram os primeiros levantes de resistência contra o governo. A forte repressão e a onda de mortes, mobilizaram os bispos nicaraguenses a assumirem a liderança dos diálogos com Ortega.
Apesar do respaldo popular da Igreja e uma carregada história de oposição à ditadura somozista, os bispos não conseguiram avançar. A Igreja nicaraguense que há muito já foi controversa ao sandinismo, rege a principal oposição ao orteguismo. Em junho, a Conferência Episcopal Nicaraguense mobilizou a população para uma marcha pacífica em Masaya, “a cidade rebelde”. O cardeal Leopoldo Brenes, o núncio apostólico Waldemar Stanislaw Sommertag e o presidente da CEN, Dom Silvio Baez, saíram pelas ruas carregando um ostensório, para evitar ataques violentos de grupos paramilitares.
Do grupo de estudantes, se destacou Lesther Alemán, jovem representante do movimento estudantil na mesa de diálogo firmada pelo governo e a Igreja. Na reunião de 16 de maio, acusou Ortega de ser o responsável pelas mortes de estudantes e afirmou que o único diálogo possível seria sua saída.
A pauta pela saída de Ortega tornou-se central. A Igreja pede que Ortega antecipe as eleições para março de 2019. A Organização dos Estados Americanos — OEA assume a responsabilidade do diálogo intergovernamental e aprovou nesta semana uma resolução reforçando o pedido de eleições. Na OEA, o único apoio ao regime orteguista foi o da Venezuela. Outros países com governos alinhados à era progressista da América Latina não deram sustentação à Nicarágua, como Bolívia, ausente, e Uruguai, que votou a favor da resolução.
A Nicarágua acusa a oposição de estar a mando do imperialismo dos Estados Unidos. O chanceler Denis Moncada cobrou da organização a falta de postura similar com os casos de violação de direitos humanos na Colômbia, um dos países de maior severidade com o regime orteguista.
Daniel Ortega se nega a aceitar as condições da OEA. No discurso de comemoração de 39 anos da Revolução Sandinista, quinta-feira, 19-07, acusou a Igreja de estar incitando um golpe. Os estudantes desde o dia 19 de abril estão sendo mortos, a um número que já passou de 350.
A oposição interna na Nicarágua não tem poder político, tampouco força para lutar contra o exército e os paramilitares. Com o avanço da Colômbia e dos Estados Unidos na OEA, talvez a oposição forte esteja mais fora, que dentro do país. Posicionamentos à esquerda, como o do Uruguai, são necessários para contrabalancear um governo que potencializa o desastre.
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Nicarágua. Qual é a oposição possível a Ortega? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU